Domingo, 04 de Maio de 2008
(Esta foi uma lenda contada pela minha mãe e que parece ter acontecido em Gradiz, a sua terra natal, há muitos, muitos séculos atrás...)
A aldeia ficava no fundo das colinas, cobertas de penedos gigantes e escuros que circundavam o pequeno aglomerado de casas. A suas formas arredondadas deviam-se à água que escorria, desde sempre, por eles, numa camada fina, quase imperceptível ao olho humano. Nos dias de sol, essa torrente fina de água reflectia o sol de uma forma intensa que se propagava por todo o vale. Era por essas colinas que os lobos, nos longos dias de frio intenso, em que a água que cobria os penedos se transformava em gelo brilhante e transparente, desciam à procura do alimento que escasseava nessa época do ano. Os camponeses, privados das suas lides habituais, pela branca extensão de neve que se perdia de vista, viam os animais rondarem as portas e os currais dos animais inquietos com a presença dos indesejáveis predadores, afastavam-nos defendendo-se com os instrumentos manuais da faina agrícola, arrumados nas frágeis arrecadações. Como a aldeia ficava enterrada no meio das colinas que, por sua vez, estavam escondidos pelos bosques quase impenetráveis de frondosas árvores, e, afastada de todos os caminhos principais, por onde se deslocavam, habitualmente, pessoas, dir-se-ia que a única preocupação daquele pequeno e desalinhado aglomerado de casas, era a privacidade. Raramente apareciam desconhecidos por aquelas paragens, pelo que os habitantes viviam calmamente os seus dias, não tendo outra preocupação que a sua sobrevivência.
Num dia de intenso sol, os poucos habitantes foram surpreendidos por um exército enorme que se perdera por aquelas paragens, enquanto trabalhavam as suas terras. Interpelados por aqueles homens vestidos de armaduras e sentados em cima de enormes cavalos, os habitantes ficaram petrificados, limitando-se a olhar uns para os outros, sem saber como reagir naquela situação. O comandante daquele exército já se começava a impacientar com a atitude dos camponeses e começara a levantar a voz como se o problema daquelas pessoas fosse a surdez, quando um imediato lhe chamou a atenção para as colinas reluzentes que os sitiavam. A luz intermitente confundia-os. Rodaram os cavalos e os restantes soldados daquele exército, à semelhança dos seus comandantes, olharam também em volta, mostrando um certo nervosismo. O que se passava naquelas colinas? Que reflexos eram aqueles? Dir-se-ia que um exército escondido esperava o momento certo para abandonar o seu esconderijo, cercá-los e derrotá-los sem dó nem piedade. Confusos com o que viam, o exército, atemorizado, recuava prudentemente, enquanto avaliavam rapidamente a sua situação. À frente, do lado esquerdo e do direito o panorama aprofundava mais os seus temores. Só a retaguarda estava livre, com a ampla floresta testemunha do inglório beco onde se haviam metido. Os reflexos eram, estavam certos, homens cujas armaduras e armas refulgiam ao sol. Eram tantos que não havia esconderijo para todos. Depois, o sol parecia estar do lado deles, uma vez que quase os ofuscava com os seus raios reflectidos um pouco por todo o lado. A intensidade era tal que quase os cegava. Um momento de indecisão trespassou a alma dos comandantes, que se entreolharam cúmplices, procurando descortinar nos seus olhos os pensamentos uns dos outros. Havia unanimidade na decisão. A batalha deles não era aquela. Seguiriam o seu caminho e levariam o exército intacto ao seu destino. Ali, também não teriam qualquer hipótese, uma vez que se encontravam cercados e o exército, parecia coeso, imenso e bem armado. E estavam melhor posicionados. Não arriscariam. Fizeram sinal às tropas, deram meia volta e seguiram o seu caminho, sem ligarem à estupefacção dos aldeãos, que, agora, estavam ainda mais confusos, sem fazerem a mínima ideia do que se passara. As pobres criaturas só se conseguiram mexer, quando a última fila do inesperado exército desapareceu na curva do carreiro que os recolocaria no bom caminho. Foi então que se voltaram e depararam com o espectáculo que os maravilhou e compreenderam tudo. Os fiéis rochedos, com a sua água reflectindo os raios solares de forma intensa, davam a impressão de que estavam protegidos por um exército. Entreolharam-se surpreendidos. Fora aquele espectáculo que afugentara aquele enorme exército. Suspiraram de alívio e continuaram o seu trabalho amanho da terra. Quer de Inverno que de verão, aqueles rochedos, desde que o sol forte lhes batesse violentamente, o espectáculo manter-se-ia sempre, pelo que não se tinham de preocupar com possíveis ataques inimigos.


publicado por fatimanascimento às 03:54
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