Quarta-feira, 02 de Dezembro de 2009

Foi num dia de Setembro. Um Setembro luminoso e morno como não haveria outro tão depressa. Em Paris, diziam-me que lhes trouxera sorte, uma vez este mês se veste sempre de cinzento e se perfuma de frio. Foi um mês excepcional em quase todos os aspectos. Confiante na língua estudada, vagueava pela capital do Sena, aberta a todos os estímulos, sentindo a pulsação da bela cidade. Saía a pé, quando a manhã ainda mal acordara, e, sem rumo definido, deambulava pela cidade, escolhendo pontos ainda não percorridos quais mares ainda não navegados. Nessa radiosa manhã outonal, dirigi-me ao Parc Monceau. Ficava perto do local onde me hospedara, o que me lavava a visitá-lo quando cansada das longas caminhadas. Costumava ali encontrar pessoas nos seus passeios matinais com as quais entabulava invariavelmente conversa. Certa manhã, conhecera já um senhor, já de certa idade, de chapéu e casaco compridos escuros. Simpatizámos à primeira vista um com o outro. A conversa desenrolou-se entre nós sem dificuldade nem interrupções. Pensávamos da mesma maneira sobre muitos assuntos e concordávamos ainda em muitos outros. A conversa desenrolou-se como um desfile de moda na forma como os assuntos se iam sucedendo numa sede de descobrirmos mais sobre o que outro pensava sobre os temas abordados ou juntava àquilo que já pensávamos. Foi das conversas mais gratas que tive com alguém, conhecido ou desconhecido. Nunca encontrara tanta erudição numa pessoa! Conversámos até perdermos a noção das horas! Até um de nós ter de regressar! Nunca cheguei a saber o seu nome. Nunca perguntei. Sei que este simpático e culto desconhecido permanece ainda hoje, e passados tantos anos, na minha memória, passeando-se entre aqueles canteiros ou sentado num banco de um dos jardins parisienses mais belos. Outra manhã, vagueava entre os mesmos canteiros multicoloridos, as grossas sebes bem aparadas e o repuxo de água límpida, quando entrou no meu campo de visão um carrinho de criança empurrado por uma senhora de uniforme negro e branco. Deduzi que se tratava da sua ama. Reparei que não se tratava de uma criança qualquer. O vestuário revelava uma boa situação financeira familiar. Captou-me a atenção. Sentei-me num banco, observando delicadamente o pequeno ser extraordinariamente belo que parecia abarcar o mundo com os seus olhos rasgados de longos cílios. Os meus olhos poisaram suavemente no rosto estreito, nos traços perfeitos do rosto, nos olhos mais azuis que jamais encontrara e a cabeleira ondulante de um loiro ofuscante. Da sua pele, de uma brancura imaculada, destacavam-se as suas delicadas veias azuis das têmporas. Toda a sua estrutura física revelava uma elegância, delicadeza e fragilidade enormes. Do seu pequeno ser desprendia-se uma serenidade e uma auréola brilhantes que a assemelhavam o pequeno ser a um anjo. Era uma menina. Não devia ter mais de três ou quatro anos. Sentindo-se observada, os seus olhos desviaram-se de encontro aos meus. Fitámo-nos durante uns instantes, os suficientes, para perceber que nunca vira ser tão belo na minha vida! Mais um ser que se passeia nas minhas memórias, por entre sebes e canteiros, numa ensolarada manhã parisiense de Outono!

 



publicado por fatimanascimento às 18:35
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