Sábado, 27 de Janeiro de 2007
Aos meus avós da terra, Ti Ana e Ti António "Tonho" Ribeiro, sempre os meus se encherão de lágrimas saudosas e o meu coração de doces recordações ao pensar em vós. Enquanto eu existir, a vossa recordação estará sempre comigo...
É nos momentos mais nostálgicos, em que deixamos o nosso pensamento vaguear ao sabor da memória, que encontramos pedaços da nossa vida, há muito perdidos... Lembro-me particularmente da aldeia onde nasceu o meu pai e das visitas que fazíamos aos familiares que lá ficaram. Naquela colina perdida na geografia da Beira Baixa, protegida dos ventos fortes pelos pinheiros altos e volumosos, com casas de pedra aconchegadas umas às outras, dormitavam nos dias de sol e aguentavam, com bravura, a forte investida da chuva nos dias cinzentos e frios de inverno. Os dias não tinham segredos. O canto do galo acordava os passos, ainda sonolentos, aos quais se juntavam, logo a seguir, as vozes cautelosas. A casa começava então, lentamente, a acordar, bocejando e piscando os olhos inchados de sono. Pouco tempo depois, começavam os trabalhadores a partir, carregando os instrumentos de trabalho e o farnel e desafiando o ar frio da madrugada. A casa caía de novo no torpor morno das mantas. Só a altura do sol, no céu, anunciava a chegada dos homens da labuta diária, ao qual as mulheres se juntavam, quando o trabalho se avolumava. As mulheres acelaravam o passo, da cozinha para o quintal, dando ao homem tudo quanto ele necessitava para o seu bem-estar: bacia de água limpa para se lavar, a toalha, as meias e chinelos... e mesa! Todas as refeições eram alegres e conversadoras, cruzavam-se risos sobre a mesa, histórias engraçadas do dia-a-dia, de trabalho ou da convívio... Depois deste, o café... trocava-se o calor da lareira e a luz tremeluzente do candeeiro a óleo, pelos caminhos estreitos e escondidos pelo manto escuro da noite, iluminados apenas pela longínqua luz das estrelas que furavam insistentemente a escuridão e o cone de luz das lanternas. Era ali que se encontravam todos os homens da aldeia numa amena conversa, revelando o respeito e a entreajuda existente entre a população, quase toda primos e primas, uns mais afastados outros menos, outros cujas raízes genealógicas se haviam cruzado com as nossas para se perderem depois para sempre. Todos se conheciam desde miúdos e todos se sentiam como família com histórias que se cruzavam nas suas vidas. Nós, os mais novos, ficávamos em casa, perpetuando a luz difusa do candeeiro e o calor das brasas moribundas, aconchegando-nos aos mais velhos da famíla, que nos acarinhavam com histórias e outras narrativas populares de tradição oral que nos transportavam para reinos longínquos de reis, princesas, fadas, mouras encantadas, truques de cartas,... Quando as brasas já não justificavam a nossa presença ali, os velhotes procuravam o aconchego das mantas da sua cama e era lá que nós os encontrávamos para continuar o serão. Lembro-me especialmente de uma noite mágica em que eu e a minha prima Carmita, com mais uma ano do que eu, sentadas no chão, de pernas cruzadas debaixo do corpo, assistíamos encantadas a verdadeiros momentos de magia, contos e aquele quarto exíguo, onde só cabiam a cama de casal de ferro e a arca, arrumada aos pés da cama e encostada à mesma parede da cama. O único espaço disponível formava um corredor que ia da porta à janela de portadas fechadas, junto da qual havia uma mesa pequena, com um candeeiro a óleo que projectava sombras nas paredes... de repente, esse quarto abria-se, eu e a minha prima, levadas pelas asas da nossa imaginação, éramos transportadas para esses reinos fantásticos e misteriosos, povoados de seres mágicos, vivendo todas aquelas emoções geradas pelos enredos narrados. Eram três horas da manhã quando acordámos da nossa viagem imaginária. O tempo passara por nós e nem déramos por ele... Que noite fantástica!


publicado por fatimanascimento às 05:00
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