Sábado, 19 de Novembro de 2011

A angústia empurrou-me para a praia. A solidão forçada de umas paredes exíguas, encavalitadas em cima de um anexo térreo, aponta-me o caminho do mar.

As lágrimas teimam em saltar, protegidas pelos óculos escuros. A alma chora. Os pés, deixando para trás a hesitação, avançam determinados. O areal cortado, ao fundo, pelo penetrante azul calmo do oceano, já se desenha. Os meus olhos descansam na paisagem familiar. O corpo avança atraído pela paz solta nas asas abertas de uma gaivota.

Sento-me na toalha estendida virada para o marítimo azul forte. Mais uma borrasca lacrimal. Mas, de repente, a minha alma abre-se numa comunhão profunda com a natureza envolvente. Serenou. Levanto-me e dirijo-me à beira mar. Uma onda minúscula enrola-se junto ao areal como uma cobra que foge ao longo da orla marítima, apagando, atrás de si, o seu rasto. A água acaricia-me os pés. O sol desenha, no areal coberto pela água transparente, os contornos da epiderme aquática, em finas linhas de fogo.

O areal está semeado de corpos e chapéus-de-sol coloridos. Não são muitos. São sobretudo idosos que aproveitam o bom tempo para o lazer. Os mais novos aproveitam as folgas. São poucos. Pego nos poucos pertences e dirijo-me ao resistente farol adormecido. Vou despedir-me do sol!, penso. Percorro, sem dificuldade, os metros que me separam da falésia. Um branco muro baixo enfeita a orgulhosa fronte como um diadema. O sol aproxima-se perigosamente do horizonte azul. Parece apressado!

E o sol mergulhou. Cansado, desanimado. Não sabe se voltará, amanhã. Recusa-se a espelhar a sua luz na calma epiderme aquática, salpicada de escuros sinais rochosos. A mancha arrendada, esculpida pelas ávidas e ásperas línguas salgadas, nas rochas esventradas, equilibra cuidadosamente a água, ali aninhada, que se estende por uma área considerável. Nem mesmo ela é presenteada por um raio luminoso! A sua brilhante e alaranjada bola arrefecida, afunda-se vagarosa mas decididamente. Está profundamente magoado! Quer esquecer estes dias que, somados a tantos outros, o cansaram profundamente! Tanta esperança gorada! Não podia mais! Os seus lacrimosos olhos flamejantes perderam o brilho habitual. A larga laranja de fogo já não é mais do que um risco brilhante semelhante a um pequeno charuto luminoso. Agora, nem mesmo isso! A larga extensão de água engoliu completamente o afogueado círculo luminoso. Restam apenas alguns pálidos raios que se estendem num saudoso adeus de sabor amargo, esticados ao acaso, num gesto de profundo desespero. Sinal de indecisão?

A noite debruça-se sobre as derradeiras brasas, sufocando-as com o seu grosso manto negro. O reino da noite começou, apenas rasgado pelo rosto tímido e pálido da lua, pendurada no céu. E a lua avança na passarela nocturna reflectindo a sua imagem no manso espelho aquático. As envergonhadas estrelas esperam que a noite as atraiçoe. Uma intensa mancha roxa sulca a água onde o céu se reflecte na imagem. A colónia de gaivotas, apeada numa faixa estreita de areia húmida, solta o seu canto de vozes desafinadas ao dia moribundo.

Deixo o horizonte alaranjado entalado entre o mar e a capa nocturna que desce lentamente do céu para abraçar definitivamente o mar, sufocando os raios. E a chama alaranjada apaga-se no horizonte marítimo com o sopro da aragem que ameaça soltar a sua revolta encoberta pela extensa capa negra. Nada disso! A noite, que cai pesadamente, apaga da tela marítima toda a nitidez. E, como se não bastasse, amarrou traiçoeiramente o vento e amordaçou-o, evitando a repetição do seu anterior mau comportamento.


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publicado por fatimanascimento às 03:33
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