Terça-feira, 16 de Junho de 2009
Eram dois. Ambos muito ágeis e curiosos deslocando-se nas suas delicadas patas rosadas, uma fina cauda da mesma cor e um focinho afilado de onde sobressaíam dois vivos olhos atentos e escuros, muito redondos. As finas orelhas espetadas, os longos bigodes semelhantes a delicadas antenas direitas e flexíveis, uma boca pequena, aberta a toda largura do focinho, evidenciava dois compridos dentes afiados, bem juntos, logo abaixo do atento nariz farejador, onde se abriam duas covinhas.
Vieram num cintilante dia de Primavera, com o sol espalhando nobremente a sua luz vertical numa dádiva sem precedentes.
Julgo que eram dois machos. Embora fossem praticamente iguais, nós fazíamos a distinção entre eles, através do carácter dócil daquele que a dona de “Chiquinho”. Eu nunca os distingui, embora a dona sustentasse que os reconhecia. Sempre que brincávamos, eu ficava com o amigo do Chiquinho, de quem nunca me lembrava o nome, e que eu receava, dado o seu instável carácter. Como o irrequieto animal sentia o temor gerado dentro de mim, embora eu me esforçasse sempre por o ultrapassar, ele passeava a sua insegurança das minhas mãos para os meus braços, numa rápida busca por um local abrigado e seguro.
Numa manhã de brincadeiras, igual a tantas outras, voltámos a retirar os animais da gaiola e colocámo-los nas mãos, evitando sempre a possível fuga. Nesse dia, o amigo do Chiquinho estava particularmente instável. Deslocava-se pelas minhas mãos e braços a uma velocidade vertiginosa, sem que eu conseguisse acompanhar os seus apressados movimentos. Nunca percebi o que se passou com o animal, cuja instabilidade parecia roçar a loucura. Os seus bruscos movimentos serpenteantes quase fizeram com que fugisse. Apertei-o na minha mão, mesmo a tempo! De repente, sentir uma aguda dor subir pelo meu indicador esquerdo. Fixei os olhos no local. Os longos e finos dentes do minúsculo animal encontravam-se cravados no dedo, rompendo a fina pele rosada. Do golpe jorrava um fio de sangue vermelho. Passei o animal à minha colega de brincadeiras que correu a colocá-los na gaiola. A mãe correu ao chamamento da filha. Avaliou o estrago no dedo com serenidade. Desinfectou a ferida e enrolou o dedo em alva gaze fina. Fomos proibidas de voltar a brincar com os ratitos. A minha colega amuou. A culpa havia sido minha! Apertara demasiado o pobre e frágil animal e ele defendera-se da única maneira que conhecia – mordendo.
A confusão gerou-se mais tarde. O problema das doenças! Adultos, de cabeça perdida, trocavam ideias abstractas sobre o acontecimento. O medo imperava. E as situações hipotéticas sucediam-se, agravando a situação. Senti-me perdida no meio da confusão. Tudo se resolvera e, agora, aquilo! Raiva? A grave doença que ataca os cães e os conduz, numa viagem relâmpago, à morte? Até o senhor que oferecera os animais foi incomodado, garantindo que os animais haviam nascido em cativeiro e sempre tinham sido saudáveis. Decidi não me preocupar com assunto! Os adultos faziam-no por mim! Mantive a serenidade, pensando sempre que tudo se resolveria, embora a ideia de apanhar raiva não me fosse particularmente sedutora!
Só a passagem do tempo serenou os ânimos! O acontecimento, passados alguns dias, não parecia já tão avassalador. E o dedo, esse, recuperava animadoramente sem vestígios de qualquer tipo de infecção! Ficou a estreita e minúscula cicatriz leitosa, em forma de meia-lua deitada, encostada à unha, e responsável pela intrigante doce memória!


Fátima Nascimento


publicado por fatimanascimento às 13:13
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