(À minha mãe, Dulce de Jesus do Nascimento Dias, o meu agradecimento pelos maravilhosos momentos que passámos enquanto me contava esta e outras histórias da sua infância e que fazem parte do imaginário popular….)
***
Era uma escura e fria tarde de Primavera. O céu cerrado de nuvens pesadas, ameaçava chuva, não fosse a temperatura baixa. Enrolada no seu xaile de lã, a senhora seguia o esguio trilho, tantas vezes percorrido. Nessa noite, um frio invulgar parecia tomar conta dela. Aconchegou-se mais no seu xaile e ajeitou o lenço na cabeça. Apressou o passo, para fugir a uma possível tempestade que assumia contornos ameaçadores. Olhou o céu, fechado, escuro e indiferente. Estremeceu., sentindo-se subitamente só. “Que parvoíce!”, pensou, “Já fiz este caminha tantas vezes! Para o que me havia de dar!” De súbito, um ruído de arbustos rasteiros afastados, fê-la rodar sobre si. Não viu ninguém. Esperou um pouco. Nada. Prosseguiu caminho, calculando que já faltaria pouco para chegar. O mesmo ruído de vegetação afastada. Ela voltou-se subitamente, tentando surpreender o que quer que fosse ou quem quer que fosse. Ainda nada. Voltou a retomar a marcha, desta vez, com o coração a bater descompassadamente. Que raio seria aquilo? O que quer que fosse estava a segui-la. Parava ao mesmo tempo para logo retomar a marcha também em simultâneo. A senhora olhou em volta desesperada. O que quer que fosse não se deixava ver com facilidade. Parecia pesado e ágil e…invisível. A senhora, ainda nova, respirou fundo e tentou recompor-se. Puxou a cesta, pendurada no braço esquerdo, mais para junto do cotovelo. Os novelos, aninhados uns contra os outros, pareciam crias adormecidas. A visão deles teve um efeito calmante na mulher. Olhou de novo em redor, para se certificar que não havia nada por perto, e retomou a marcha. O passo apressado parecia fazer eco uns metros atrás. A mulher encheu-se de coragem e parou a marcha resolutamente. Não voltaria a sair dali sem descobrir o estranho mistério. Deu uns passos atrás, olhando cuidadosamente à sua volta. As poucas árvores pareciam petrificadas, enquanto que a vegetação rasteira se calava num silêncio cúmplice. Nada à vista. Estranho. Depois de se certificar que não havia ninguém escondido, ela olhou para o chão à procura do autor daqueles passos furtivos. Foi então que deu com eles, meio encobertos pela vegetação rasteira. Um par de olhos rasteiros olhava-a atentamente, numa tensão que mostrava um sentido de alerta apurado, precedido de uma bocarra enorme aberta que mostrava uma fila de dentes alta e esguia. Pelo tamanho da cabeça, a senhora calculou o tamanho do corpo. Era um bicho enorme, como nunca, até então, tinha avistado. Instintivamente, ela recuou uns passos. O animal deu uns passos em frente também. Agora, ela tinha a oportunidade de o ver na sua verdadeira dimensão. Por momentos, mulher e animal fitaram-se como que medindo forças. Foi então que lhe surgiu a ideia. Olhou para a boca do animal e para o cesto onde repousavam mansos e indiferentes os novelos. Retomou a marcha sempre com animal na sua peugada. Lenta e atentamente, foi deitando os novelos atrás de si, servindo de barreira improvisada entre ela e o animal. O animal não se atrapalhou e foi-os engolindo um a um. Foi assim que chegaram à entrada do povo. A mulher ao avistar uns homens a trabalhar, desviou-se na direcção deles, sempre com os olhos fitos no animal. Chegados ao pé dos homens, a mulher gritou por ajuda. Eles correram solícitos armados com os utensílios do trabalho do campo. Ao depararem com o animal estático, a boca cheia de novelos, não conseguiram dissimular um sorriso. A mulher, de mão no peito, deixou cair a cesta, praticamente vazia, e agarrou-se ao muro de pedra. O animal encarou os homens que apontavam os utensílios à sua cabeça, deu uns passos em frente e… foi o seu fim.
O seu corpo embalsamado pode ser visitado na igreja de Nossa Senhora da Lapa.
Fátima Nascimento
***
Era uma escura e fria tarde de Primavera. O céu cerrado de nuvens pesadas, ameaçava chuva, não fosse a temperatura baixa. Enrolada no seu xaile de lã, a senhora seguia o esguio trilho, tantas vezes percorrido. Nessa noite, um frio invulgar parecia tomar conta dela. Aconchegou-se mais no seu xaile e ajeitou o lenço na cabeça. Apressou o passo, para fugir a uma possível tempestade que assumia contornos ameaçadores. Olhou o céu, fechado, escuro e indiferente. Estremeceu., sentindo-se subitamente só. “Que parvoíce!”, pensou, “Já fiz este caminha tantas vezes! Para o que me havia de dar!” De súbito, um ruído de arbustos rasteiros afastados, fê-la rodar sobre si. Não viu ninguém. Esperou um pouco. Nada. Prosseguiu caminho, calculando que já faltaria pouco para chegar. O mesmo ruído de vegetação afastada. Ela voltou-se subitamente, tentando surpreender o que quer que fosse ou quem quer que fosse. Ainda nada. Voltou a retomar a marcha, desta vez, com o coração a bater descompassadamente. Que raio seria aquilo? O que quer que fosse estava a segui-la. Parava ao mesmo tempo para logo retomar a marcha também em simultâneo. A senhora olhou em volta desesperada. O que quer que fosse não se deixava ver com facilidade. Parecia pesado e ágil e…invisível. A senhora, ainda nova, respirou fundo e tentou recompor-se. Puxou a cesta, pendurada no braço esquerdo, mais para junto do cotovelo. Os novelos, aninhados uns contra os outros, pareciam crias adormecidas. A visão deles teve um efeito calmante na mulher. Olhou de novo em redor, para se certificar que não havia nada por perto, e retomou a marcha. O passo apressado parecia fazer eco uns metros atrás. A mulher encheu-se de coragem e parou a marcha resolutamente. Não voltaria a sair dali sem descobrir o estranho mistério. Deu uns passos atrás, olhando cuidadosamente à sua volta. As poucas árvores pareciam petrificadas, enquanto que a vegetação rasteira se calava num silêncio cúmplice. Nada à vista. Estranho. Depois de se certificar que não havia ninguém escondido, ela olhou para o chão à procura do autor daqueles passos furtivos. Foi então que deu com eles, meio encobertos pela vegetação rasteira. Um par de olhos rasteiros olhava-a atentamente, numa tensão que mostrava um sentido de alerta apurado, precedido de uma bocarra enorme aberta que mostrava uma fila de dentes alta e esguia. Pelo tamanho da cabeça, a senhora calculou o tamanho do corpo. Era um bicho enorme, como nunca, até então, tinha avistado. Instintivamente, ela recuou uns passos. O animal deu uns passos em frente também. Agora, ela tinha a oportunidade de o ver na sua verdadeira dimensão. Por momentos, mulher e animal fitaram-se como que medindo forças. Foi então que lhe surgiu a ideia. Olhou para a boca do animal e para o cesto onde repousavam mansos e indiferentes os novelos. Retomou a marcha sempre com animal na sua peugada. Lenta e atentamente, foi deitando os novelos atrás de si, servindo de barreira improvisada entre ela e o animal. O animal não se atrapalhou e foi-os engolindo um a um. Foi assim que chegaram à entrada do povo. A mulher ao avistar uns homens a trabalhar, desviou-se na direcção deles, sempre com os olhos fitos no animal. Chegados ao pé dos homens, a mulher gritou por ajuda. Eles correram solícitos armados com os utensílios do trabalho do campo. Ao depararem com o animal estático, a boca cheia de novelos, não conseguiram dissimular um sorriso. A mulher, de mão no peito, deixou cair a cesta, praticamente vazia, e agarrou-se ao muro de pedra. O animal encarou os homens que apontavam os utensílios à sua cabeça, deu uns passos em frente e… foi o seu fim.
O seu corpo embalsamado pode ser visitado na igreja de Nossa Senhora da Lapa.
Fátima Nascimento