Terça-feira, 06 de Maio de 2008
Os meus filhos mais velhos chegam a casa e, com o pouco à vontade que os caracteriza, na matéria dos afectos, às vezes, lá vão desabafando que fulano ou fulana tal gostam deles. Acho piada ao embaraço que demonstram nestas situações, como se não soubessem como agir convenientemente. A nossa conversa, às vezes, parece ajudá-los. Eu, para ser franca, nunca dei muita importância a este tipo de situações, desdramatizando-as, e colocando-as à luz daquilo que são verdadeiramente – situações naturais da vida. E, como tal, devem ser encaradas não só pelos envolvidos como pelos que os rodeiam. Muitas vezes, a minha resposta à conversa deles era “Mais vale gostarem do que odiarem. Garanto-vos!” E é verdade. Se eu percorrer, de volta, os caminhos das minhas memórias, lembro-me do tabu que era uma situação destas e do modo como garotas mal intencionadas se aproveitavam destas situações naturais, para expor publicamente as outras gaiatas.
Foi no tempo em que os rapazes podiam fazer tudo que nada lhes ficava mal e as raparigas tinham de ser recatadas.
Quando saí da escola primária, nada sabia sobre afectos. O único que eu conhecia era o sentimento de amizade que nutria pelos meus companheiros, vizinhos de brincadeiras. Lembro-me, ainda na escola primária, durante o recreio, de os avistar, ao longe, do outro lado da estreita rua que separava, por sexo, as duas escolas, e acenar-lhes. Era estranha aquela situação. Brincávamos todos, na rua, no amplo espaço verde, por trás das nossas casas e, ali, aquela inexplicável separação forçada. Lembro-me das nossas batas apertadas atrás, todas de um algodão branco imaculado, só diferentes das dos rapazes nos botões que desciam, à frente, do ombro até uns centímetros acima dos joelhos. Como os horários eram semelhantes, muitas vezes, íamos todos, em grupo, para casa. E eram ainda uns quilómetros, sempre a subir, até à zona alta, onde vivíamos no mesmo bairro, adornado de pequenas vivendas, cuja rua estreita, de terra batida, terminava em duas curvas apertadas, virando em direcções opostas. Terminada a última curva, nós estávamos em território nosso. Era, ali, que se desenvolviam as nossas brincadeiras, muitas delas, em conjunto.
Já no ciclo, ainda mais longe de casa do que a primária, foi quando tudo começou. As minhas colegas andavam excitadas e as conversas giravam, muitas delas, em torno do mesmo tema – os rapazes. Eu não via nada de novo nesta matéria e começava a aborrecer-me com as confidências amorosas. Não me diziam nada. Mas era pegar ou largar. Eu tinha de arranjar um afecto, à pressa, para não ficar isolada. Como provavelmente em todos os afectos, há aqueles que são comuns a mais do que uma miúda. Logo, por portas e travessas, as conversas chegavam aos ouvidos dos visados. Vi-me envolvida em intrigas, em desprezos, em ódios… adolescentes. Eu, que não ligava a nada daquilo e só tinha um afecto para não ficar excluída do grupo, via-me envolvida em situações novas e estranhas. Abrira-se, ali, um mundo totalmente novo, que nada tinha a ver com aquele mundo seguro e descontraído, que, até então, conhecera. Este novo mundo, regia-se por leis diferentes, totalmente desconhecidas por mim. Nem irmãs ou irmãos mais velhos eu tinha que pudessem orientar-me, como as minhas vizinhas de casa e de escola tinham. Andava um pouco ao acaso. Mas, como o interesse nesse assunto era relativo, nunca me preocupei. Até começar a ter problemas reais que pareciam perseguir-me. Cheguei a odiar a minha primeira escolha, por toda a situação criada à volta do meu suposto afecto por ele. Recordo-me vagamente do rapazinho gordo, de cara redonda e simpática que se transformara com a vaidade de se saber alvo de um especial afecto por mim. Já não me lembro se lhe escrevi algum daqueles bilhetinhos, tão vulgares na época, escritos em folhas arrancadas dos dossiers, e dobradas não sei quantas vezes, como se quisesse guardar bem o segredo que, depois da entrega, seria divulgada aos sete ventos. Odiei a situação toda, odiei-o… Após esta má experiência, pensei em nunca mais me meter noutra situação semelhante. Mas enganava-me. Um amigo e vizinho ajudou-me a ultrapassar essa situação, que ele próprio reconhecia ser má. O que ele não compreendia, era o meu ódio pelo primeiro alvo dos meus afectos, que, depois da confusão do primeiro ano, admitia que desenvolvera um afecto verdadeiro por mim. Não quis saber. Muito negativamente marcada por todo aquele reboliço, arredei-me um pouco daquela confusão. Como eu e o meu amigo de infância andávamos, muitas vezes, juntos, passei os meus sentimentos para ele. O mesmo inferno se desenhou à minha volta, até me terem avisado que o meu nome estava escrito na madeira velha de um portão mais ou menos nestes termos. "A Fátima do polícia gosta do …" Pois! Já não se pode gostar de alguém sem que se metam na nossa vida! A vida é minha e, se gosto de alguém, o assunto não diz respeito a mais ninguém. Comecei a defender esse direito. Daí a pouco, os meus pais, alertados para a situação, juntaram-se à minha causa, confusos com tanto reboliço em volta de mim. Sei que ganhámos. As pessoas pareceram despertar do seu estado de hibernação moral, para reconhecerem, naquela frase, e em quem a escreveu, não só má vontade como também maldade. O caso mexeu com as pessoas, de tal forma, que se descobriu a autora e o motivo que a levara a escrever aquilo. Não sei se foi ela que apagou a frase, ou se foi o vizinho a quem pertencia o portão alto de estrutura frágil. Foram emocionalmente esgotantes as primeiras andanças na vida afectiva pelo sexo oposto. Ainda bem que os tempos facilitaram a vida, pelo menos, às jovens…


publicado por fatimanascimento às 03:17
Terça-feira, 10 de Abril de 2007
Como passava muito tempo em casa sozinha, eu construí um mundo imaginário no qual eu me abrigava frequentemente. Esse era o mundo onde os meus medos desapareciam como por magia. Nele não havia maldade só bem. Era um mundo tão diferente do quotidiano cheio de palavras gritadas às paredes da casa, portas atiradas violentamente contra o trinco, e silêncios vazios cheios de uma muda violência latente. A solidão, por vezes, era sinónimo da tão ansiada calma. Como não havia um bom casamento, os progenitores tentavam limar as arestas de ambos os lados, sem sucesso. Isto embrenhava-os em tão longas e calorosas discussões, que eu não sabia muito bem quando deveria sair do quarto para ir à casa de banho. Esperava geralmente pelas tréguas para me escapulir às palavras que me sobrevoavam a cabeça à laia de balas cruzadas. Antes, porém, esperava atrás da porta o tempo suficiente para tentar perceber o tempo daquelas tréguas traiçoeiras, e, quando as portas eram arrancadas aos trincos, soltando as vozes encolerizadas como animais selvagens, eu percebia que o meu instinto havia ditado correctamente o tempo de espera. Nunca sabia ao certo quando seria ou não apanhada no meio da batalha. Estas discussões gastavam-lhes as energias e o tempo, pelo que a impaciência governava a casa. Eu tentava, a todo o custo, passar despercebida, tanto a um como a outro, ou seria apanhada no meio do fogo cruzado. E ainda sobrava muito para mim!
A minha relação com a escola, era de amor e ... de ódio. Tanto tinha desempenhos bons como outros deveras maus. Acho que foi sempre assim! A minha falta de concentração balançava entre esse mundo imaginário ou os problemas dos progenitores. Às vezes o medo era tão desmesurado que parecia não caber dentro de mim e sair por cada poro da pele. Não sei se era visível a olho nu ou se estava tão bem guardado que só com um microscópio se encontrava. De facto, quando o ambiente na sala de aula era favorável, assim como em casa, eu era uma garota feliz; quando o contrário se dava, eu queria era desaparecer... E foi assim que, um dia, eu que esperava numa longa lista por uma operação às amígdalas, e como estava farta da escola, resolvi antecipar essa operação; despedi-me da professora que me desejou um rápido restabelecimento. Naquele mundo fictício, no qual eu me refugiava, tudo parecia possível e não dava muita atenção ao assunto. Quando a minha mãe me chamou no dia seguinte, eu disse que não tinha escola. Mas, por azar ou sorte, o meu vizinho resolveu ir a minha casa perguntar se eu não ia. A minha mãe, ao responder, viu uma das filhas da minha vizinha que era minha colega de sala. A minha mãe fez-me levantar e acompanhou-me à escola. Ficou a saber de tudo enquanto me apertava violentamente a mão e me lançava olhares encolerizados de vergonha. Quando ela saiu, eu sentei-me, envergonhada, na minha carteira e... fui o alvo da cólera da professora, e o centro das atenções das minhas colegas. Só a minha colega de carteira me parecia compreender, embora não totalmente! Mais uma vez me sentia desamparada... e desta vez, fui a vítima do meu próprio imbróglio!


publicado por fatimanascimento às 02:34
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