Uma tarde soalheira e quente, quando o espaço natural ainda não havia sido totalmente invadido pelos prédios e vivendas, nós, os miúdos costumávamos aproveitar os espaços ainda livres, e que eram poucos, resolvemos caçar gafanhotos. Estes existiam ainda em grande quantidade. Os tamanhos variavam assim como a pintura que se encontrava na sua pele. Corríamos livremente pelo espaço ainda aberto, através das ervas já transformadas em palha seca, impelindo-os saltar. Sabendo a localização deles, bastava-nos seguir a sua trajectória para os apanharmos. Cautelosamente, pegávamos-lhes pelas asas e comparávamo-los entre eles. Os mais pequenos não eram uns bichos bonitos, todos castanhos-claros, quase da cor da erva seca, na maioria deles, nem achávamos nada de interessante para descobrir, e quem vira um, vira todos, concluímos. Umas pernas compridas, um focinho alongado, com dois olhos escuros no topo, de cada lado. Um dos meus amigos de infância teve então a ideia de apanhar só os maiores, em minoria, mas mais interessantes. Começou então a caça aos maiores. Perdíamo-nos no meio das ervas altas, na procura desses tão ambicionados animais, mais corpulentos do que os outros, mas também mais interessantes. O Majó mostrara-nos um, pelo que sabíamos perfeitamente o que deveríamos procurar. Estes tinham uma particularidade – voavam! Iniciou-se a caça ao gafanhoto voador! Eram mais difíceis de apanhar, e originavam as cenas mais cómicas, que nos faziam rir perdidamente. Eram precisamente estas cenas, mais do que o interesse pelos pobres animais, que nos dava alento à continuada busca. Eu cheguei a apanhar alguns. Agarrava-os pelas gigantes pernas elegantemente dobradas em forma de V invertido, que pousavam delicadamente no chão. Era assim que os mantínhamos, enquanto os contemplávamos com curiosidade e os comparávamos entre nós. Os rapazes eram os que mais paciência e sorte tinham com os maiores. Chegavam ao pé de nós, com os animais presos entre os dedos polegar e indicador, exibindo-os como troféu, e colocando-os ao pé dos nossos notoriamente mais pequenos. A incessante busca acabaria com a queixa de uma vizinha nossa, que acusava o último gafanhoto de a ter mordido. Entreolhámo-nos espantados. Era a primeira vez que ouvíamos tal queixa. Ela tinha dado meia volta, apoiando a mão direita na esquerda, exibindo um minúsculo traço negro duvidoso. Estaria ela certa do que dizia?, interrogávamo-nos, indecisos. Nunca provámos tal teoria, uma vez que nunca fizemos como ela: fechar o gafanhoto numa prisão escura formada pelas mãos. Nem nunca o faríamos. Sabíamos perfeitamente que não era assim que se procedia! Ainda hoje nos questionamos se não teria sido pretexto dela para pôr fim a uma brincadeira que a aborrecia já, ou se não se teria magoado nalguma erva manhosa, ao tentar apanhá-lo.